quarta-feira, maio 28, 2008

Alice

Amanhã saio da modorra dos últimos tempos para aceder a um convide. A propósito do Dia do Autor Português fomos convidados para ir à Escola Sta. Iria, em Tomar, falar sobre o assunto. Calhou-me discorrer sobre Alice Vieira. Nada mais estimulante.
Fui pegar num dos meus livros preferidos da infância, Rosa Minha Irmã Rosa, e deparei-me com a dedicatória "com amizade" nas primeiras páginas. 23 de Abril de 1991 e a autora tinha ido à minha escola, era eu já um adolescente. Lembro-me da imensa vergonha de lhe estender o livro para autografar... porque uma colega tinha passado a hora anterior a pintar-me as mãos com uma caneta magenta (não perguntem, naquela altura fazemos coisas estranhas...) que não saia com a lavagem. E foi assim que me cruzei com a Alice pela primeira vez.
Falo sempre com carinho deste Rosa Minha Irmã Rosa, mas há bastante tempo que não o relia. Acho este excerto delicioso:

"A minha irmã nasceu há quatro dias. É muito feia, tem a cara toda às rugas e eu ainda não estou muito certa se gosto dela ou não. Pelo menos penso que nunca vou gostar dela como gosto da Rita, que mora na minha rua e é a minha melhor amiga. Como diz a avó Elisa, a família aumentou. Só que eu gostava que a gente pudesse escolher a nossa família tal qual escolhe os amigos. Porque assim eu havia de gostar da família inteira. E nela estariam a mãe, o pai, a avó, a Rita, o Pedro, o sr. João da tabacaria, que às vezes me dá mais uma carteira de cromos do que aquelas para que chega o dinheiro que levo.
Mas não da tia Magda, que só tem boca para palavras azedas, e só gosta de flores caras com nomes complicados, como os antúrios e as estrelícias, que a minha mãe lhe compra no dia de anos. Quando estou triste, gosto de ter flores ao pé de mim. Mas não é preciso que cheirem ou que tenham pés muito altos a dormir na montra das floristas. Só é preciso que estejam ao pé de mim. Que eu olhe para elas e sinta que estou tão acompanhada como se fossem pessoas. Sinto que há flores que nunca me poderiam fazer companhia. Os antúrios e as estrelícias, por exemplo, a delícia da minha tia Magda."

Alice Vieira, Rosa Minha Irmã Rosa, Editorial Caminho, 1979


Obrigado Alice